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Ucrânia de passagem. As minhas impressões, boas e más

Não é fácil captar a realidade de uma cultura, de um povo, de um país, quando apenas estamos nele de passagem. Porém, no caso da Ucrânia não é a primeira vez que por cá permaneço algumas semanas. Além disso há ainda razões pessoais que me têm colocado há cerca de cinco anos em contacto permanente com ucranianos. Como também não é fácil sintetizar uma viagem, a visita a algumas cidades, as deslocações internas, etc., talvez se possa traçar um breve retrato (certamente sempre incompleto, mas espero que não muito distorcido) apontando alguns dos aspectos de que me apercebi nestas duas semanas em que estive neste país, de resto apenas em duas cidades (Odessa e agora Chercassy). Trata-se de um breve olhar que exprime o que me foi dado observar ou que retirei do que ouvi, vi e li. Ha detalhes que nos chamam a atenção quando viajamos e que reflectem os hábitos e a cultura local, sobretudo naquilo em que dela nos distinguimos. Reuni as minhas impressões em dois grupos, que dividi entre os pontos positivos e negativos (assumindo aqui que se trata do meu gosto e sensibilidade pessoal, apenas isso).

Quanto aos aspectos positivos, alguns dos que identifiquei foram: a boa educação das pessoas em geral, que aliás, parecem levar uma vida descontraída e ser felizes; cultiva-se o gosto pela conversa descontraída, durante uma refeição, por exemplo (que pode durar largas horas), as pessoas falam e discutem de tudo, mas não se interrompem, sabem ouvir-se e respeitar-se; os serviços de saúde, mesmo clínicas privadas, são bons e praticam preços muito baratos para os nossos padrões; os transportes públicos funcionam bem, apesar de degradados e de usarem ainda um modelo que já desapareceu há muito em Portugal, o que nós chamávamos o “revisor” ou o “tira bilhetes”; também nos comboios, com carruagens dos anos sessenta, os compartimentos de beliches, possuem uma funcionária por carruagem, que serve, além dos elementos logísticos necessários para dormir, também serve chá ou outras bebidas durante a viagem; os carros são muito mais baratos do quem em Portugal (em muitos casos menos de metade do preço), pelo que se compreende a quantidade de carros de alta cilindrada e de jipes/ monovolumes de último modelo; a gastronomia é muito interessante e rica, em especial se soubermos encontrar os lugares certos, os restaurantes tradicionais; como o turismo é ainda escasso e sobretudo dos países soviéticos – em especial da Rússia – e não há (como há por exemplo na República Checa) uma invasão dos ocidentais, o que ajuda a evitar confusões; os preços são baratos, em especial porque as grivnas (moeda local) se desvalorizaram nos últimos anos em relação ao euro (1 = 10); as mulheres são em geral muito bonitas, elegantes, vestem-se bem, usam principalmente saias (e agora no Verão as mini-saias), e revelam (ainda) uma postura assumidamente feminina; mas, ao contrario dos países latinos, os rapazes não parecem dar importância aos dotes físicos do sexo oposto, revelam naturalidade e maturidade; as cidades onde estive são bonitas, planas, com amplas avenidas bem arborizadas, rodeadas de água, o Mar Negro em Odessa e as interessantes praias fluviais do Dniepre, em Chercassy; o vodka é bebida nacional, mas também a cerveja é muito boa e existe uma enorme variedade de marcas nacionais e estrangeiras.

Quanto aos aspectos negativos: a presença agressiva dos “novos-ricos”, com os seus jipes e a sua atitude ostentatória e arrogante (na linguagem local são em geral ligados a os meios corruptos); uma pequena classe média de homens de negócios em geral com tiques “pimba” e de mau gosto em diversos aspectos; uma preocupante carência de infraestruturas, designadamente a decadência do patrimóno urbano; ruas cheias de buracos, edifícios degradados, muitos à beira de se desmoronarem; um estilo de conduzir muito pior do que o português (o que não é nada fácil...); funcionários públicos, principalmente a segurança dos aeroportos, mas também por vezes os funcionários nas recepções dos hotéis, que nos tratam mal, com uma arrogância inadmissível, como se ainda estivessem em pleno estalinismo; esta mania para mim estranha e irritante dos ucranianos se descalçarem quando entram em casa, seja na sua seja em visitas a amigos e familiares (provavelmente algo relacionado com o clima de inverno e o bom aquecimento das casas, mas que eles prolongam por todo o ano), preceito que naturalmente os estranhos são obrigados a seguir; a relação tensa mas por vezes seguidista em relação à Russia (nos planos cultural, económico e político); os filmes serem sempre dobrados ou em russo ou em ucraniano; produzem bastante vinho, na Crimeia, mas em geral não sabem beber ou apreciar um bom vinho; para além da simpatia e boa educação das pessoas em geral, nota-se, por outro lado, uma certa “frieza” na manifestação dos afectos, mesmo entre amigos próximos ou familiares; há um absoluto desinteresse pelos temas sociais e políticos; as redes de corrupção penetram um pouco em todas as áreas e condicionam negativamente as oportunidades dos mais talentosos; é ainda comum a compra de “favores” nos serviços públicos, nos hospitais, no ensino, etc.; a falta de perspectivas no plano estratégico para o país.

Publicada por Elísio Estanque
Sábado, Julho 11, 2009
http://boasociedade.blogspot.com
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